Ontem à noite estava de tal forma exausta que não consegui escrever uma palavra.
Simplesmente aterrei. Com tanta coisa registada, vamos ver se consigo trazer à memória o dia de ontem para poder descrevê-lo.
A manhã em Santiago de Compostela acordou cinzenta e a ameaçar chuva. E choveu. Ainda por cima, o “hostal” onde pernoitámos não servia pequenos almoços o que me irritou profundamente. O cafezinho da manhã tem que ser mesmo ao levantar, mas tivémos que ir fora.
Fizemos, a pé, o reconhecimento à cidade, não como peregrinos, mas como turistas e lá fomos tirar umas fotos junto da catedral. Ainda bem que não tinha como objectivo o culto, pois teria sido difícil encontrar a porta por onde é permitida a entrada para a igreja. Se à missa quisesse ir, teria concerteza chegado durante a homilia. Mas vivo outros tempos, pelo que hoje atraem-me as tradições pagãs. Lá passámos pelas montras cheias de bijuteria e prata de simbologia celta; os queijos teta que são verdadeiramente sugestivos e um hábito hospitaleiro das boutiques de guloseimas tradicionais que, claro, adorei: todas têm à porta umas meninas muito simpáticas a oferecer para degustação as pedras de santiago, a tarte de santiago e outras tantas iguarias feitas de amêndoa que são uma verdadeira tentação. De bandulho cheio de tanta prova, ainda por cima, tendo gasto pouco mais de 4€, pusémo-nos à estrada, ainda sob chuva.
O caminho até Lugo começa a aguçar o apetite; já se vêem campos verdes a perder de vista com muitas vaquinhas brancas e pretas a pastar, quais Alpes suíços sugeridos nos anúncios ao chocolate Milka. Muito leite deve ser produzido por aqui. Cruzamo-nos com imensos peregrinos que fazem a pé o caminho de Santiago bem como outros de bicicleta. Estes não dei por isso, registo-o porque o Flávio relatou tendo ficado incrédulo por eu não os ter visto. Confesso que muitas vezes o meu olhar é obrigado a fixar-se na paisagem mais longínqua, quanto menos olhar para a estrada, mais relaxada me sinto. É que isto de andar de mota, à pendura e sem experiência, tantos quilómetros e por vezes não tão devagar assim, não é de um dia para o outro que se consegue moderar algum nervoso miudinho.
De Lugo a Castropol, o Flávio fez o gosto ao dedo e eu ao olhar. Julgo ter sido até agora, a estrada que mais gozo deu conduzir que, além de parecer nova porque em bom estado, as curvas e contracurvas permitiam uma velocidade razoável. Pelo meu lado, deliciei-me a apreciar a magnífica paisagem que ia criando a expectativa para o dia seguinte nos Picos da Europa. Se aqui era deslumbrante, nos Picos haveria de ser o céu. Claro que só comecei a descontrair a meio, os meus olhos afundavam naqueles vales estreitos quando a mota curvava à direita, a adrenalina transformou o receio em tensão, que passou a inconsciente, pela inebriação de toda aquela beleza em redor.
Depois, viajámos quilómetros, ora pela costa, vislumbrando praias por entre montanhas, ora pela autoestrada para tentarmos chegar ainda neste dia a Cangas de Onis, no sopé dos Picos. Não sabia o que era um rabo quadrado. Como é que as minhas formas redondas e cheias me permitem sentir estas arestas? Pois é, o que vale uns minutinhos de pé e tudo volta ao lugar. As pernas também, que tomam, no lugar de pendura, a forma angular e de tal forma que, sempre que saio da mota, sinto-as ranger e rezo para que não fraquejem e me segurem o tronco.
Cangas de Onis é uma vilazinha de montanha. As casinhas são do mais rústico que há, pintadas com a paleta mais rica de tons vivos a contrastar com pedra e madeira típicas e adornadas por sardinheiras e amores-perfeitos igualmente coloridas. As ruas são bem animadas e há uma sidreria em cada esquina. Explicou-me o Flávio que a sidra era uma bebida típica semelhante ao espumante. Quando a provei, ia cuspindo. Aquilo é vinho branco a martelo, gaseificado. Só o gás lembra o espumante, porque o sabor, achei intragável! Regalei-me, mais tarde, com um gelado de sabor a "crema catalana" - meus amigos, julgo ter sido o melhor gelado que até hoje comi!
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